Há hoje uma tendência de melhoramento no relacionamento dentre a empresa e colaboradores, que vai desde novos dress-codes até home-office full time. Novas formas de engajamento estão sendo implementadas, e é notório que haja um esforço do RH em criar ambientes mais colaborativos, dinâmicos e amigáveis.

Mas ainda é raro vermos empresas onde um ex-funcionário fale que sua demissão foi um processo positivo. Na maioria das vezes, a saída de um emprego é uma experiência ruim, abrupta e mal conduzida. A falta de preparo dos líderes e gestores é notável, pois há muita informação e formação sobre gestão e novos entrantes, mas muito pouco sobre “como demitir bem”.

O QUE É A DEMISSÃO HUMANIZADA?

Demitir é um ato extremo, e não deve ser tratado levianamente. É bem mais que meramente um distrato, mas sim um rompimento social e financeiro, que atinge o ex-funcionário, sua família, o gestor, e a equipe como um todo.

Por isso, demitir precisa ser uma ação bem pensada – precisa ser cuidadosa, respeitosa, amigável e muito bem explicada. Isso é a demissão humanizada: não é apenas uma comunicação com papéis para assinar, mas um procedimento bem planejado, feito de maneira o mais natural possível, de forma que o colaborador seja comunicado o mais claramente sobre as razões de sua demissão, e que ele se sinta amparado, valorizado e seguro.

É preciso mostrar que aquele é o fim de um ciclo, e que o próximo pode ser acelerado em função da maneira como este ciclo acaba – da forma mais respeitosa possível.

A EMPATIA COMO DIFERENCIAL DO GESTOR

Por se tratar de um momento muito delicado, o gestor deve entender que aquela pessoa do outro lado da mesa poderia ser ele mesmo. Tratar o agora ex-colaborador com deferência e respeito, como se fosse você mesmo sendo demitido, é o primeiro e principal passo para que o processo seja o menos doloroso possível.

Traga para a reunião as conquistas e resultados obtidos pelo funcionário, ressalte todo o percurso feito durante o tempo de empresa e agradeça pela oportunidade de tê-lo em sua equipe, e que a empresa agradece pelos serviços prestados.

O melhor líder é o que consegue entender o que se passa com a sua equipe, e neste momento, se colocar no lugar do outro ajuda a entender como se portar com cada membro, sabendo como obter os melhores resultados – e mesmo no caso de uma demissão, o melhor resultado é o ex-funcionário sem dúvidas e nem questionamentos, o que diminui bastante a possibilidade de um processo trabalhista.

CLAREZA É FUNDAMENTAL

Uma das razões pela qual acontecem processos trabalhistas é falta de entendimento sobre os direitos e valores da rescisão. E uma outra situação comum é o funcionário não saber exatamente por que foi desligado.

A completa compreensão da situação e de seus desdobramentos é uma das características da demissão humanizada: não há indiferença no tratamento final do funcionário, pois nada ficou mal feito ou mal explicado. Neste caso, a clareza é uma consequência da empatia, que muito além da tratativa da demissão, aparece na reunião de informações e de documentação.

CHEFES DESPREPARADOS

O onboarding é um momento brilhante, cheio de esperanças e por vezes até brindes, onde há muita vontade de fazer e muita disposição. Para um chefe, o novo funcionário é ótimo: não tem vícios e nem hábitos, e pode ser moldado de acordo com suas necessidades.

Por outro lado, a demissão é parte do dia a dia, e não parece haver uma preparação adequada dos líderes para que haja uma demissão empática de membros de sua equipe. Raramente os cursos de negócios, gestão de equipe e treinamentos da empresa trazem algum conteúdo sobre essa responsabilidade, e o aprendizado acaba acontecendo “na marra”, e muito erros acabam acontecendo – erros esses que podem culminar em desgastes emocionais para ambas as partes.

COMO IMPLEMENTAR A DEMISSÃO HUMANIZADA?

Tornar os processos demissionais mais humanos não se trata apenas de uma ação do chefe para com o funcionário. Trata-se de um processo holístico que começa antes da comunicação e que não termina quando o funcionário sai pela porta.

Para começar, cada demissão deve ser estudada e compreendida. É preciso mesmo demitir? Essa demissão é realmente necessária? Há outra forma de agir? Somente se não houver saída, o recurso extremo da demissão deve ser usado.

A decisão da demissão não pode ser unilateral: deve passar pelo crivo do RH e pelo chefe do chefe, para que a demissão seja realmente o último recurso a ser acionado.

A saída do funcionário precisa ter uma razão explicável e justificável, que possa ser dita sem rodeios para o funcionário. Essa é uma maneira de agir que evita demissões desnecessárias ou que rebate razões fúteis.

Para que a demissão seja respeitosa e cuidadosa, ela deve ser comunicada pelo chefe imediato, num local separado e fechado. Todas as informações devem ser dadas – fim do contrato e a razão disso. É nesse momento que se deve agradecer pelos serviços prestados e ressaltar as conquistas.

Por se tratar de muito mais que o fim de um contrato, mas de um rompimento social, o ex-funcionário deve ter a liberdade de poder falar com quem quiser na empresa, e o mais importante, deve poder sair pela porta da frente.

Após isso, os funcionários que permanecem na empresa precisam ser informados do que aconteceu – quando foi decidido e o porquê, quais foram os cuidados empregados para seu colega demitido e que não há novas demissões em vista (se for possível fazer isso).

Se for possível, oferecer ao ex-funcionário extensão do plano de saúde e de vida, como uma gratificação adicional. E ainda neste assunto, uma carta de recomendação é importante para que ajude o ex-funcionário a se recolocar no mercado, e auxílios extras são bem vindos.

MAS POR QUE IMPLEMENTAR A DEMISSÃO HUMANIZADA?

Porque os ganhos vão para os dois lados da mesa:

Para a empresa, aumenta o reconhecimento pelos funcionários e pelo mercado como sendo um bom empregador. Só isso já melhora o clima interno, trazendo tranquilidade para os colaboradores e criando um ambiente de trabalho saudável. E para o mercado, fica a marca de responsabilidade social, fora a diminuição de riscos de processos trabalhistas. E num processo de demissão deste tipo, o período de luto pela saída de um colega é bem mais abreviado.

Para o profissional, o tratamento humanizado faz com que a demissão seja menos dolorosa, e por isso o luto pela perda do emprego tende a ser bem menor. Uma demissão humanizada pode ajudar este profissional a se desenvolver e se atualizar, condicionando uma mudança na carreira – seja uma recolocação melhor, uma mudança completa ou um trabalho autônomo.

UMA AÇÃO MEMORÁVEL

Há casos relatados de demissões em larga escala como aconteceu com Rock Content e com a Stone. Mas o que muda é a maneira como elas aconteceram.

Uma fintech desligou 1300 funcionários durante a pandemia. Mas a empresa tomou atitudes que garantiram bem mais que a sua sobrevivência num cenário hostil, mas criou advogados da marca e defensores:
– Foi feito um anúncio oficial dos cortes por parte do próprio CEO;
– Cada um dos funcionários desligados foi contactado individualmente;
– A empresa respeitou todos os direitos dos trabalhadores, ofereceu apoio psicológico, manteve planos de saúde e auxílio alimentação por 4 meses para os funcionários demitidos;
– Ofereceu celulares e computadores, auxílio financeiro levando em conta o tempo de trabalho na empresa e conta no LinkedIn.

Uma empresa de marketing precisou se desfazer de 20% de seu quadro de colaboradores. E para isso, fez coisas diferentes do processo normal:
– O CEO publicou uma mensagem no blog da empresa, comunicando a decisão, com transparência e objetividade, com muito respeito aos colaboradores;
– Mostrou como a pandemia os atingiu e como a empresa estava se adaptando para garantir sua continuidade;
– Manteve planos de saúde dos desligados por 6 meses, deu acesso vitalício à universidade corporativa, sinalizou os ex-funcionários como prioritários no banco de talentos do RH e outras ações;
– Promoveu a contratação dos profissionais desligados em outras empresas do mercado.

Ações como essa vão bem além da simples reunião de demissão bem explicada: trazem segurança para o funcionário desligado e para os funcionários que ficaram. São dois exemplos de demissões que não trataram os funcionários como números, mas que deu a eles um chão para poderem evoluir e se desenvolver.

O FIM FAZ PARTE DA JORNADA

Sair de uma empresa é uma ação normal na vida de um funcionário, mas tudo vai depender de como essa saída é orquestrada – se for uma saída traumática, podem haver retaliações, até devidas em alguns casos; mas se for uma saída onde houve preocupação e cuidado por parte da empresa, esse ex-funcionário vai ter orgulho de dizer que trabalhou nesse local e vai sempre falar como foi entrar, estar, e sair de lá, como uma experiência completa e positiva.

Por isso, a demissão humanizada visa bem mais apenas evitar processos: visa o cuidado e o respeito com a pessoa, onde a diminuição de riscos e a criação de advogados da marca são uma consequência de uma ação bem pensada e humana.